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quinta-feira, 14 de março de 2013

O menino do pijama listrado- Capítulo 18 - Planejando a última aventura

No dia seguinte àquele em que o pai contara a Bruno que ele logo voltaria a Berlim, Shmuel não apareceu na cerca como de costume. Nem veio no dia seguinte. No terceiro dia, quando Bruno chegou lá não havia ninguém sentado de pernas cruzadas no chão, e ele esperou por dez minutos e estava prestes a dar meia-volta e ir para casa, extremamente preocupado por ter que deixar Haja-Vista sem ver o amigo uma última vez, quando um ponto na distância se transformou numa mancha que virou um vulto que virou uma pessoa que virou um menino de pijama listrado.
Bruno abriu um grande sorriso ao ver o vulto caminhando na sua direção e sentou-se no chão, pegando em seu bolso o pedaço de pão e a maça que contrabandeara consigo para dar a Shmuel. Contudo, mesmo à distância ele podia perceber que o amigo parecia ainda mais triste do que o habitual, e quando chegou à cerca ele não aceitou a comida com a ansiedade de sempre.
“Achei que você não vinha mais”, disse Bruno. “Eu vim ontem e anteontem também, mas você não estava aqui.”
“Desculpe”, disse Shmuel. “Aconteceu uma coisa.”
Bruno olhou para ele e estreitou os olhos, tentando adivinhar o que poderia ter ocorrido. Imaginou se Shmuel também fora notificado de que iria para casa; afinal, coincidências como essas aconteciam, como, por exemplo, o fato de os dois fazerem aniversário no mesmo dia.
“E então?”, perguntou Bruno. “O que houve?”
“Meu pai”, disse Shmuel. “Não conseguimos encontrá-lo.”
“Não conseguem encontrá-lo? Que estranho. Quer dizer que ele se perdeu?”
“Suponho que sim”, disse Shmuel. “Ele estava aqui na segunda e então foi mandado para o trabalho com mais alguns homens e nenhum deles voltou.”
“E ele não mandou uma carta?”, perguntou Bruno. “Ou será que deixou um bilhete, avisando quando estaria de volta?”
“Não”, disse Shmuel.
“Que estranho”, disse Bruno. “Você tentou procurar por ele?”, perguntou após um instante.
“Claro que sim”, disse Shmuel num suspiro. “Fiz aquilo de que você sempre fala. Fui explorar.”
“E não encontro nenhuma pista?”
“Nada.”
“Bem, isso é muito esquisito”, disse Bruno. “Mas acho que deve haver uma explicação simples.”
“E qual é?”, disse Shmuel.
“Imagino que os homens tenham sido levados para trabalhar em outra cidade e têm de ficar lá por alguns dias, até o serviço estar terminado. E o correio por aqui não é lá essas coisas. Acho que ele estará de volta dentro dos próximos dias.”
“Espero que sim”, disse Shmuel, que dava a impressão de que ia chorar. “Não sei o que devemos fazer sem ele.”
“Eu posso perguntar ao meu pai, se quiser”, disse Bruno cuidadosamente, torcendo para que Shmuel não dissesse sim.
“Não acho que seria uma boa idéia”, disse Shmuel, o que, para desapontamento de Bruno, não era uma negativa explícita.
“Por que não?”, perguntou ele. “Meu pai sabe muito sobre a vida do seu lado da cerca.”
“Acho que os soldados não gostam de nós”, disse Shmuel. “Bom”, acrescentou ele juntamente com o mais próximo de uma risada de que foi capaz, “eu sei que eles não gostam de nós. Eles nos odeiam.”
Bruno recostou-se, surpreso. “Tenho certeza de que não odeiam vocês”, disse ele.
“Odeiam sim”, disse Shmuel, inclinando-se para a frente, os olhos mais estreitos e os lábios levemente retorcidos pela raiva. “Mas tudo bem, porque eu odeio eles também. Eu odeio todos eles”, repetiu ele, convicto.
“Não odeia o meu pai, não é?”, perguntou Bruno.
Shmuel mordeu os lábios e não disse nada. Ele já vira o pai de Bruno em diversas ocasiões e não compreendia como era possível tal homem ter um filho tão amável e gentil.
“Enfim”, disse Bruno após uma pausa devida, não querendo mais discutir o assunto, “eu também tenho algo a lhe contar.”
“Tem, é?”, perguntou Shmuel, olhando para ele cheio de esperança.
“Sim. Vou voltar a Berlim.”
O queixo de Shmuel caiu, tamanha foi sua surpresa. “Quando?”, ele perguntou, a voz presa na garganta enquanto falava.
“Bom, hoje é quinta-feira”, disse Bruno. “E nós vamos no sábado. Depois do almoço.”
“Mas por quanto tempo?”, perguntou Shmuel.
“Acho que é para sempre”, disse Bruno. “Minha mãe não gosta daqui de Haja-Vista – ela disse que aqui não é lugar para se criar duas crianças -, e então meu pai vai ficar aqui para trabalhar porque o Fúria tem grandes planos para ele, mas o resto de nós vai para casa.”
Ele usou a palavra “casa”, apesar de não saber mais onde era sua verdadeira “casa”.
“Então eu não vou mais ver você?”, perguntou Shmuel.
“Bem, algum dia sim”, disse Bruno. “Você pode ir a Berlim passar as férias. Não é possível que você tenha que ficar aqui para sempre, não é?”
Shmuel balançou a cabeça. “Acho que não”, disse, triste. “Não terei com quem conversar depois que você se for”, ele acrescentou.
“Não”, disse Bruno. Ele quis acrescentar as palavras “Eu também vou sentir sua falta, Shmuel” à sua frase, mas percebeu que estava um pouco envergonhado para dizê-las. “Então amanhã será a última vez em que nos veremos”, prosseguiu ele. “Teremos que nos despedir então. Vou tentar lhe trazer um lanche especial.”
Shmuel acenou afirmativamente, mas não encontrou palavras para expressar sua tristeza.
“Queria que a gente pudesse brincar juntos”, disse Bruno, após uma longa pausa. “Só uma vez. Só para ter a lembrança.”
“Eu também queria”, disse Shmuel.
“Já faz mais de um ano que conversamos e nunca tivemos a chance de brincar. E sabe o que mais?”, acrescentou ele. “Todo este tempo eu fiquei olhando da minha janela o lugar onde você mora, mas nunca vi com meus próprios olhos como é de fato o outro lado.”
“Você não iria gostar”, disse Shmuel. “Sua casa é muito mais confortável”, ele acrescentou.
“Mesmo assim eu gostaria de conhecer”, disse Bruno.
Shmuel pensou por alguns instantes e então se abaixou e meteu a mão na cerca, erguendo-a um pouco, apenas o suficiente para passar um menino pequeno, talvez do tamanho de Bruno.
“E então?”, disse Shmuel. “Por que não vem olhar?”
Bruno piscou e pensou a respeito. “Acho que não me deixariam”, ele disse, cheio de dúvidas.
“Bom, provavelmente também não deixam você vir até aqui e conversar comigo todos os dias”, disse Shmuel. “E mesmo assim você vem, não vem?”
“Mas se me pegassem, eu estaria encrencado”, disse Bruno, certo de que a mãe e o pai não aprovariam suas escapadas.
“É verdade”, disse Shmuel, abaixando a cerca novamente e olhando para o chão com lágrimas nos olhos. “Então acho que amanhã nos veremos para dizer adeus.”
Nenhum dos meninos disse nada por um momento. Subitamente Bruno teve um lampejo.
“A não ser que...”, ele começou, pensando por um instante e deixando seu plano crescer em sua mente. Ele levou a mão à cabeça e apalpou onde costumava haver cabelo e onde agora só restava uma penugem que ainda não crescera inteiramente. “Lembra-se de que você disse que eu estava parecido com você?”, perguntou a Shmuel. “Quando rasparam minha cabeça?”
“Só que mais gordo”, concordou Shmuel.
“Bem, se é assim”, disse Bruno, “e se eu também tivesse um par de pijamas listrados, aí eu poderia passar para o seu lado e fazer uma visita, sem que ninguém percebesse.”
O rosto de Shmuel se iluminou, e ele abriu um grande sorriso. “Acha mesmo?”, ele perguntou. “Faria isso?”
“É claro”, disse Bruno. “Seria uma grande aventura. Nossa última aventura. Finalmente eu poderei explorar um pouco.”
“E você poderia me ajudar a procurar meu pai”, disse Shmuel.
“Por que não?”, disse Bruno. “Vamos dar uma volta e procurar alguma pista. É o que se deve fazer quando se está explorando. O único problema é conseguir um par sobressalente de pijamas listrados.”
Shmuel balançou a cabeça. “Não tem problema”, ele disse. “Sei de uma cabana onde eles ficam guardados. Posso pegar um do meu tamanho e trazê-lo para você. Aí você se troca e nós poderemos procurar meu pai.”
“Maravilha”, disse Bruno, levando pelo entusiasmo do momento. “Então esse é o nosso plano.”
“Vamos nos encontrar amanhã no mesmo horário”, disse Shmuel.
“Não vá se atrasar desta vez”, disse Bruno, levantando-se e batendo o pó de si. “E não se esqueça do pijama listrado.”
Os dois meninos foram animados para casa naquela tarde. Bruno imaginou uma grande aventura diante de si; finalmente ele teria a oportunidade de ver o que havia do outro lado da cerca antes de voltar a Berlim – sem falar na chance de fazer alguma exploração de verdade. Shmuel viu a oportunidade de conseguir alguém para ajudá-lo a procurar seu pai. Tudo considerado, o plano parecia muito inteligente e era uma boa maneira de se despedir.

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